Jurema Werneck definiu o racismo institucional como “um modo de subordinar o direito e a democracia às necessidades do racismo, fazendo com que os primeiros inexistam ou existam de forma precária, diante de barreiras interpostas na vivência dos grupos e indivíduos aprisionados pelos esquemas de subordinação desse último”. Seu impacto na vida da população negra no Brasil pode ser percebido tanto na relação direta da população com os serviços e as instituições que deveriam garantir seus direitos fundamentais, quanto no cotidiano de suas vidas.

 

O Racismo Institucional

. se associa a outras inquidades, produzindo ou ampliando as inquidades experimentadas pelas mulheres negras e outras;

. traduz escolhas institucionais atuais ou passadas reeditadas por decisão ou inércia;

. garante as condições para a perpetuação das iniquidades;

 

Portanto, o enfrentamento ao Racismo Institucional requer compromissos, processos e práticas atualizadas.

Como medir o racismo institucional? Como medir o racismo? A luta por dados desagregados e por indicadores capazes de expressar aquilo que tão profundamente vivencia a população negra brasileira não é recente. Já percorreu um longo caminho e já se sofisticou ao extremo. O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, elaborado pelo LAESER/UFRJ, sob a coordenação de Marcelo Paixão; a construção e atualização periódica do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça pelo IPEA, ONU Mulheres, SPM e SEPPIR; a ênfase inevitável do Mapa da Violência, do Instituto Sangari, no genocídio da juventude negra, todos esses instrumentos de monitoramento são expoentes do que se conquistou para a visibilização e reconhecimento do problema a partir da desagregação dos dados demográficos e de alguns registros administrativos por raça/cor

Todos esses conjuntos de dados e indicadores demonstram a clivagem que o racismo, independentemente de qualquer outra variável, estabelece em nossa sociedade, mantendo a população negra em situações de vulnerabilidade e de desproteção social: a população negra continua tendo menor acesso a direitos e a serviços que deveriam ser garantidos a toda a população brasileira. Direitos e serviços que o Estado, por obrigação, deveria assegurar.

A ausência reiterada do Estado, em alguns casos, e a baixa qualidade dos serviços e dos atendimentos prestados pelas instituições do Estado à população negra em geral, são sinais explícitos do racismo institucional a partir do qual essas instituições operam historicamente.

Marcelo Paixão, no Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010, ao referir-se ao impacto, na população negra, da instituição do Sistema Único de Saúde a partir do principio da universalidade do acesso à saúde, reconhece a redução das desigualdades de acesso, mas ressalta que:

                                     “para os pretos e pardos, a comparativamente maior relevância do  SUS para a obtenção do atendimento médico e hospitalar não implicou nem em igual oportunidade de acesso ao sistema, e nem que o serviço prestado tenha sido de igual qualidade. (…). … os pretos e pardos  comumente procuram menos o médico e o dentista. Uma vez procurando, possuem maiores probabilidades de não serem atendidos. Uma vez atendidos, tendem a se declarar menos satisfeitos com o                                                                          serviço recebido”. (Paixão et alli, 2011: 19).

Os dados do sistema educacional brasileiro narram uma história semelhante. O acesso, apesar de aparentemente equilibrado na comparação entre brancos e negros, escamoteia desigualdades internas do sistema, que podem ser observadas de maneira inequívoca na observação, por exemplo, dos dados referentes à distorção idade-série nas etapas fundamental e média do ensino (vide quadro abaixo)

Alarmantes são os dados da segurança pública, que revelam o forte crescimento nas taxas de homicídio da população negra, especialmente entre os jovens, enquanto decrescem as mesmas taxas na população branca (vide quadro abaixo).

Alguns indicadores do racismo institucional:

  • “Segundo a PNAD de 2008, 40,9% das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos de idade jamais haviam realizado mamografia em suas vidas, frente a 26,4% das brancas na mesma situação” (Paixão et alli, 2011: 19).
  • Ainda segundo a PNAD de 2008, das mulheres acima de 25 anos de idade, 18,1% das mulheres negras e 13,2% das brancas jamais havia realizado o exame de Papanicolau.
  • A taxa de mortalidade maternal entre as mulheres negras, em 2007, era 65,1% superior à das mulheres brancas.
  • De acordo com a PNAD de 2009, a distorção idade-série no ensino fundamental atingia a 22,7% da população negra, contra 12,4% da população branca.
  • Já no ensino médio, a taxa de distorção era de 36,6% para a população negra e de 24% para a população branca.
  • “Considerando o país como um todo, o número de homicídios brancos caiu de 18.867 em 2002, para 14.047 em 2010, o que representa uma queda de 25,5% nesses oito anos. Já os homicídios negros tiveram forte incremento: passam de 26.952 para 34.983: aumento de 29,8%” (Weiselfisz, 2012: 14). (mudar a cor do fundo)

A tentativa de apontar indicadores de racismo institucional responde à necessidade de construção de evidências legitimadas pelo conjunto de tomadores de decisão e reconhecíveis por aquele outro conjunto conhecido como “formadores de opinião”. Os dados servem para ilustrar aquilo que a subjetividade e a existência cotidiana experimentam e, muitas vezes, não conseguem nomear.

O que o racismo institucional produz é não só a falta de acesso e o acesso de menor qualidade aos serviços e direitos, mas é também a perpetuação de uma condição estruturante de desigualdade em nossa sociedade.